As Guerras
Chegam-me gritos, choros e um cheiro que incomoda. Um cheiro a guerra. Uma guerra constante, uma vergonha que nunca pára. De guerra em guerra nos vamos cansando. Já nos doem os olhos de ver tantas lágrimas. De ver tantos povos massacrados. Tanta mortandade. Fazer as guerras longe de casa. É este o propósito dos cães grandes. É assim a hipocrisia dos senhores que fazem e mandam nestas abastardadas guerras. Traficantes da morte. Vendem as armas e choram os mortos. Restos de desumanas pessoas a quem é difícil dar nome. Excrescências.
As mortes começam a ser lugar comum. Começam a deixar de ter alinhamento nas notícias. As bombas deixaram de abrir os noticiários. Dão-nos futebol, essa coisa que cada vez tem menos de desporto. Negociatas e estranhos interesses. Casos de polícia. Gente balofa. Programas e programas de jogos viciados. Faz-me lembrar a “vermelhinha”, os baralhos com as cartas marcadas. A bola de cristal de uma vidente.
Por vezes abrem-se corredores humanitários por entre os destroços. Gotas de água para apagar fogos. Tudo devidamente escrutinado por quem controla os tempos das coisas, os passos da guerra, os estreitos caminhos da vida. Faltam medicamentos para apaziguar o fim de tudo. Tudo ficou retido. Os pequenos poderes. Os sabujos. Os polícias dos polícias.
Temos as falsas cimeiras de paz. Reuniões para enganar a crédula gente. Os tratados assinados e logo rasgados. Documentos que se assinam de falsa fé. A falta de vergonha. As altas instâncias. Os gabinetes. Os assessores. Os assessores dos assessores. Os lobbies das armas. Os estados imperiais. As grandes negociatas. Um cheiro nauseabundo. Os “imperadores” do opróbrio. Entretanto as guerras continuam.
As espampanantes portas douradas do Kremlin. A caricata casa oval. Os palácios do povo, onde o povo não entra. O faz de conta. A maldade. As ridículas figuras. Os matadores e os mandantes. A agonia dos mais fracos. Muitos mandadores sem lei. “Sexo, drogas e política.” Os espiões. Os agentes duplos. Os que aparecem mortos de forma estranha. As séries da televisão. Onde mora a ficção?
Hoje não sei quantas mais crianças morreram. Quantas mais bombas caíram sobre as ruínas das ruínas. Quantas mais pessoas ficaram sem casa. São já muitos os que vivem em tugúrios. Buracos abertos sob buracos. A vida a afundar-se cada vez mais. Muito enterrado vivo. Muita dor. Muita lágrima de sangue. O cheiro das bombas. Falta tudo a tantos. Uma vergonha que nos deve incomodar. Que deve disparar todas as campainhas da nossa consciência.
Hoje a guerra é quase uma obra de ficção. Os aviões deixam cair as bombas assassinas para outros aviões dirigirem. Os comandos electrónicos, os “joysticks”, os raios laser, as mãos de luva branca. Já pouca gente mata vendo quem mata. Muitos nem chegam a ver os estragos que fizeram. Não sabem para onde foi a sua bomba.
Nojo. Tenho nojo. Tudo isto me mete nojo. Chego a ter vergonha de viver num mundo assim. Não foi este o mundo que sonhei. Lembro-me da alegria que senti quando terminou a guerra no Vietnam. Lembro-me da euforia com que vivi o 25 de Abril e o fim da Guerra Colonial. Não, não foi este o mundo que foi sonhado nas barricadas do Maio de 68. Por isso escrevi este texto. Aqui estou também escrito. O corpo todo exposto. O remorso imenso de não ser capaz de fazer mais.
«Tu sabes como as guerras me doem! O que eu choro por aquelas crianças! Custa-me tanto.»
Voz da Isaurinda.
«Eu sei que és uma pessoa sensível. Sabes que também eu choro. Penso que temos de fazer mais.»
Respondo.
Eu sei de ti. Mas tem cuidado contigo. Eles são perigosos.»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Mar/2018(161)
Querido Jorge, a tua realista crónica ao que se está a passar no mundo , angustiou-me na passada segunda feira quando a li, são realidades que nos invadem de tristeza, por isso não comentei, confesso a minha “fraqueza” . No entanto, fiquei a sentir que não, não posso acomodar e baixar a cabeça como se nada se passasse, fechar os olhos ao que nos entra pela casa adentro e não é esse o propósito desta tua sofrida e realista publicação. Lembrei Freud quando dizia que “qualquer coisa que encoraje o crescimento de laços emocionais tem que servir contra as guerras. Abraço-te muito e à Isaurinda também e obrigada por tudo.
Obrigado Cristina. Não podemos baixar a cabeça, nem os braços. Temos de ser solidários com os que sofrem estas barbaridades. Abraço.
Jorge, descreve tão bem os horrores desta guerra estupida, como qualquer guerra é….que dói só de ler……
Não consigo palavras para a estupidez humana….não se consegue entender……e tornou-se banal, comoo Jorge diz e bem, já nem abre telejornais!!!! Enteteem-se com outras formas de estupidez….já nem servem para noticiar….
Desalento também é o que sinto!!! E assistimos a ctueldades sem nada poder fazer…
Um abraço amigo Jorge!!!
Obrigado Raquel. É uma crueldade sem nome. Há quem seja responsável por tudo isto. Dói, é verdade, e muito. Temos de enfrentar a besta. Abraço
Mais uma chamada de consciência, tão bem exposta aqui! Obrigada, meu amigo, por tanta sensibilidade e tão boa formação. Este mundo tão desumano mete mesmo nojo! Tem toda a razão. Um grande abraço
Obrigado Madalena. Dar a volta à vida. Birar o mundo. Sermos e nunca calarmos. Abraço.
Tanta dor,tanta guerra, tanto inocente no meio de todo o horror que já nem nos mostram. As imagens começam a fazer parte do nosso dia a dia. Não.não foi este o mundo que sonhamos. Mas temos que fazer mais,não podemos continuar a ignorar.Um dia vamos ter que expl icar aos nossos netos e nao poderemos dizer que nao sabíamos.Sabíamos e deixámos que acontecesse. AbraçobJorge.
Obrigado Maria da Conceição. Temos de nos mobilizar para combater este agelo. Esta gente sem principios. Abraço.
A epidemia das Guerras está patente nesta excelente crónica. É sempre doloroso ouvir e ver as imagens de crianças , chorando assustadas no meio de escombros e destruição, vítimas da ambição, desumanidade e hipocrisia de alguém que tem a força do poder. Precisa-se urgentemente de valores morais. Como diz a Isaurinda , temos de fazer mais. Vamos acreditar e contribuir para a justiça deste terrível e tenebroso mundo. Obrigada, poeta por mais um magnífico texto. Um abraço de Esperança.
Obrigado Ana. Sim, os valores. A necessidade da cidadania inteira. Temos de fazer a nossa parte. Abraço.
Quanta verdade visceralmente escrita. Quanta actualidade num texto vivo, atento, reflexivo e acutilante. É o horror dos horrores a que tragicamente nos habituamos. Também faremos parte do monstro?
Obrigado Isabel. Tentar escrever de forma racional. As vísceras estão espalhadas pelo chão da guerra. Vamos abanar as conciências. Abraço.
Ou, cansada da guerra e de tanta hipocrisia, por impotência me silencio, ou ainda vestida de esperança, grito ‘morrem lenta/lentamente/aos olhos de todo o mundo/não demorem/é urgente/actuar rapidamente/morrem a cada segundo.’
Obrigado Ana. O cheiro a morte, a dor. Tão triste. Tão indecente. Levantar a voz. Abraço
Li, há dias, esta citação:
“A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam, se matam entre si por decisão de velhos que se conhecem, se odeiam e não se matam” (Erich Hartmann)
Não são só jovens que se matam… e também não são só velhos que decidem. Mas achei que era uma boa forma de caracterizar a guerra.
Qualquer violência é devastadora e aberrante. A guerra é um crime violento e desumano. E a violência começa no ódio!
É triste viver num mundo com tanta desumanidade e ambição desmedida.
Obrigado Maria. Sim. Devastador. Horrendo. Hoje é ainda mais desumano. Tudo muito triste. Abraço
Gostei muito da sua crónica.
Penso e sinto da mesma maneira. Agradeço a maneira como expõe as ideias de forma tão perfeita e sentida.
Obrigada
Obrigado Esmeralda. É bom ler as suas palavras. Abraço.
Como? Que temos de fazer? Como fazer chegar a nossa voz aos srs. do mundo? Também fiquei feliz quando acabaram as guerrasde que fala , também gritei ,lutei . Agora pergunto valeu a pena? Lágrimas de sangue em cada olhar daqueles seres. Petróleo, armas dinheiro sujo que suja o mundo. Abraço .
Obrigado Isabel. Para mim, bale sempre a pena. Nunca calar. Saber onde gritar. Ouvir os gritos dos outros. Nunca perder a esperança. Abraço
A banalização da guerra, a realidade que supera a ficção…
Gostei tanto, mas tanto, da sua crónica. O que pensa é o que eu penso e o que sinto, sem tirar, nem pôr.
Obrigada por expor as ideias de forma tão perfeita e sentida.
Bem haja Jorge C. Ferreira.
Obrigado Fernanda. Somos miitos, felizmente, a pensar assim. Basta sermos força actiba, incomodar, dizer não. Abraço
E é por isso tudo que escreves que choro, não contenho as lágrimas quando vejo a guerra em directo à hora de jantar como se fosse um espectáculo que aguardamos como a telenovela em horário nobre. O que esperam eles? que o mundo bata palmas? O mundo que vamos deixar aos nossos netos! Uma herança pesada. Entretanto vão lavando o cérebro às crianças e preparando as cabecinhas dos meninos com desenhos animados de terror que passam nos canais da televisão e nos cinemas. É como dizes, mete nojo! e o cheiro a podre paira no ar. Por isso eu ainda quero aproveitar o pouco tempo que me resta e cheirar o mar, a terra, uma flor e ouvir cantar um passarinho. O meu abraço de paz para o mundo! Obrigada por escreveres o que escreves. Abraço.
Obrigado Fernanda. Vamos dizer ne aos senhores da guerra e aos seus lacaios. Vamos fazer um último esforço. Abraço
As guerras de interesses e de poderosos.
Dói tanto ver aquelas crianças indefesas a quem tiram o direito de continuarem a ser crianças.
Este mundo está podre. Onde estão os valores?!
Obrigada, amigo por este GRITO de revolta.
Obrigado Idalina. Temos de ser nós a fazer impor os valores. Combater os senhores da terra. Usar todas asnossas, pacíficas, armas. Abraço
“Tu sabes como as guerras me doem” …Os senhores da guerra teimam em destruir cada vez mais o coração de um povo.A nossa impotência,nós os que vemos a guerra em directo vendo o melhor do mundo numa mortalidade que dói e nos faz agarrar as nossas crianças como se as fossemos perder também.Uma criança de guerra é como se fosse uma criança nossa nos nossos braços inertes e impotentes.O melhor do mundo são as crianças,até quando?…
Um texto que dói,mas precisamente por isso, leio-o com lágrimas nos olhos.Este mundo de desigualdades cada vez mais a atingir-nos nos nosso medos…Haverá um céu?…porque o inferno vejo-o sempre em cada imagem que entra por quadrado com hora marcada…
Obrigado Célia. Tu sabes tudo o quenos mortifica. Sabes o que é dobrar as esquinas difíceis da vida. Assim continuaremos a fazer. Abraço
As guerras que enriquecem os que negoceiam armas e as provocam. Mesmo os adultos morrem muito ; ” mas as crianças, senhor, porque lhes dás tanta dor, porque padecem assim?Não é a ” Balada da Neve ” , mas fogo, incêndios, violações, um HORROR. Pensei morrer num mundo melhor, mas não, E as guerras hoje têm muita sofisticação. São certeiros nos alvos.
Aproveito a Isaurinda e vou com ela e o seu pano. Beijinhos grandes <3 .
Obrigado Ivone. Nunca percas a esperança. A vontade de vires atravessar as avenidas da paz. Abraço